Estou sentado em um degrau de um dos prédios de uma rua do centro storico de Rimini. Do meu lado esquerdo, encostada à porta, jaz um velho alaúde; do meu lado direito, sobre o degrau, descansa uma garrafa de vinho tinto seco que vou bebericando de quando em vez. Os meus olhos, ligeiramente enevoados, acompanham o estranho movimento ondulante da rua. Tento pensar em algo que me distraia, mas os pensamentos, primeiro, aglomeram-se, incandescentes, depois, esfumam-se como se fossem argolas de fumo, construídas à partir de um cigarro que se imagina, de um tempo que se evapora por entre os passos tumultuosos de corpos que se envolvem com os ritmos da noite, em um frenesim de contos inacabados. Coloco o alaúde entre as minhas pernas, afago-lhe o corpo envelhecido pelo uso e permito que os meus dedos perturbem o sossego das suas cordas, sequiosas de propagarem pela noite os poemas sonoros do seu encanto. O alaúde e eu somos um corpo único, beleza das belezas musicais que bandos de jovens vão ouvindo, passando, ou sentando-se, à nossa frente, em um semi-círculo de jovialidade noturna. Os meus olhos fixam-se em uma janela de um prédio diante de nós. Abre-se, de par em par, deixa que os sons penetrem de mansinho pelos sonhos de um sono desconhecido. Dos meus dedos soltam-se notas que, de início, flutuam, para, depois, voarem como pássaros em busca dos seus limites despovoados, essa sensação de liberdade que envolve as pupilas do meu prazer e desfilam como imagens cinematográficas de um filme em que o argumento é este vagabundear sonoro pelas veias da vida. Há jovens que bebem, há jovens que dançam por dentro das suas memórias difusas, como que espelhando pela noite dentro as sombras vinícolas dos seus desejos mais ardentes. Uma espécie de magia negra apoderou-se do meu corpo que, lentamente, se foi diluindo até que, eu, e o alaúde, em metamorfoses de um tempo desconhecido, abraçamos o voo discreto do corvo de Poe que, sobre o parapeito da janela, segredou aos ouvidos da noite, "nunca mais". E nunca mais, eu, e o alaúde, somos.
Assinado por Renato Cresppo