Estava sentado a um canto de um pequeno café, junto do mar. Já eram minutos passados das nove horas da noite. Não me apetecia jantar. O coração batia-me com a força das marés vivas, socando com violência a pequena praia que semeava o café. Os meus olhos que atravessavam as janelas forradas de pó, fuzilavam o horizonte como se fossem um Goya transtornado. Desenhei um rosto no vidro da janela. Um rosto sem olhos, sem boca, um rosto lixado pelo esterco e pelas garras afiadas do meu cérebro, afogueadas que estavam pelas pulsões do seu lixo.
Uma atendente magricela abeirou-se em minha mesa e perguntou-me, delicadamente, se desejava alguma coisa. Investiguei a minha fome que, rapidamente, descobri ser nenhuma, mas, mesmo assim, pedi um pequeno prato de frios e um copo do vinho tinto da casa. Momentaneamente, apeteceu-me apanhar uma bebedeira e, depois, estender-me na areia molhada, untando-me com a vingança de uma razão apodrecida.
A magricela trouxe-me os frios e, eu, senti-me, subitamente, enjoado. O salame era hediondo, o pastrame, insosso, e as azeitonas até pareciam boas. Cretinice, a minha, por me ter lembrado de comer naquela espelunca. Sobrou o vinho que me estancou os palavrões murmurados entredentes. Afundei-me, nela, sem me preocupar com os resultados. Bebi um café e paguei a conta. Uma fortuna por uma provocação daquelas. Saí do café e fui, de imediato, lambido por uma língua de ar frio. Tinha urgência em acalmar as baforadas violentas que boiavam no meu corpo. Que se lixasse o frio, e, sem pensar em mais nada, despi-me e mergulhei nas águas geladas do mar. O corpo vibrou como se fosse um caniço ao vento. Nadei como uma enguia e, instantaneamente, a depressão que me afogava o cérebro diluiu-se como a espuma do mar. Aproveitei o impulso de uma onda maior e deixei que o corpo rebolasse pela areia, como se a minha nudez se estendesse sobre um colchão de plumas. Levantei-me, abastecendo o corpo com os suores revoltados de uma vida sem afinações. Vesti-me, subi a pequena escada que ligava a praia à rua e seus inúmeros pontos de autobus. A noite era um calafrio nos olhos das minhas ventas e o vento empurrava-me para Sul, quando devia seguir para Norte. Que destino sem norte, pensei eu, rasgando a noite com os faróis de um tempo que nada me dizia. Que destino em que só a morte, cogitei eu, rasgando os dias com os faróis de um tempo que tudo se despia – e despedia.
Escrito por Renato Cresppo na madruga do dia 18 de Dezembro de 2019 (02:50:12)