sexta-feira, 30 de junho de 2017

Oblívio no engano III - A lucidez da minha irracionalidade

Esta história não usa regras de lógica, coisa que ignoro. Tem todos os temperos da irracionalidade. Usei o meu escalpe como um troféu e pendurei-o numa tela branca pintada com as cores de uma romã rachada ao meio. Pus as minhas barbas de molho. O molho era de abacate. Senti que as verbas climáticas da minha temperatura de zero graus, se traduziriam no investimento do meu corpo, que expunha a sua nudez esquelética, como um exemplo de escultura, para além do pós-moderno.
Optei por fazer um discurso, mesmo no centro da praça Giacomo Matteotti, usando como retórica, as palavras mais bárbaras que conhecia. Ouvi algumas gargalhadas sem sentido e engoli todos os insultos com o maior dos à vontades, uma vez que a troca de línguas, é um linguado acústico, presenteado com uma feira de vaidades, onde todos se registam e nenhum resiste às labaredas saudáveis da irresponsabilidade moribunda. Quis suicidar-me no metrô para causar consternações, pânico e satisfações por haver menos um militante da vida. Contudo, cheguei à conclusão que os espectadores mereciam melhor espetáculo, pelo que resolvi estilizar-me como uma estátua da morte, todo vestido de branco, o que era um contrassenso, segundo alguns comentários atrozes que escutei, sugerindo que devia enforcar-me em público, reparem, não fingindo, mas usando uma realidade, em vez de uma farsa, o que me deu, pensei eu, a brilhante ideia de me transformar num farsante, mas concluí, rapidamente, que a concorrência seria muita e, num ápice, iria à falência. 
Afinal, optei por ser um mentiroso convicto, o que daria grandeza à minha alma e espiritualidade ao meu raciocínio que, como já afirmei, é totalmente irracional.
Cansado de não ser famoso, anunciei ao mundo, em geral, que descendia diretamente de um iguana dos Galápagos e, tal como ela, considerava-me, em vias de extinção, o que, implicitamente, me ofereceria todas as garantias de uma vida faustosa. Adepto invertebrado da inveja, ri-me espalhafatosamente de todos os olhos que me devoravam com admiração, sem na realidade saberem bem porquê. Transformei-me numa encenação coletiva do amor em estado de guerra, sem qualquer ideia de paz.
Como esta ocasião é uma caixinha de surpresas, saltei e esmolei, como qualquer palhaço politiqueiro, por 15 minutos de fama, o que soprando numa gaita de fole, me daria direito à comissão do fole que afoguearia qualquer pardieiro, pelo que brandi com a maior falta de sobriedade, o gamanço de umas quantas palavras que me dessem direito à composição do século.
Com toda a singeleza, confesso que, repentinamente, me distraí e me perdi do objetivo que projetava, com objetivas filtradas pelos cenários grotescos dos flibusteiros pós-modernistas. E, como nada mais há do que esta confissão descolorida, pisgo-me para onde as realidades, nunca serão verdades factuais. Amém.

Assinado por Renato Cresppo

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Desconheço quem me sonha

Eu não sou real. Sou um sonho que anda por aí. Desconheço quem me sonha. Um sonho? Não, uma imensidade de sonhos. Cada um deles pretende preencher o vazio que navega no naufrágio de cada coração que perdeu a navegabilidade da vida que vive. São sonhos sem nomes, sem idades, passados ou futuros. Todos podem ser pescadores e pescarem nos afluentes dos seus rios as combinações das realidades que melhor preencherem os vazios que anseiam por ser alagados com a fertilidade de serem o que não são. Não pensem em cores, nem em dias ou em noites. Flutuem no universo infinito dos meus sonhos e serão a riqueza humana da beleza com que nos abastece a natureza. Nos meus sonhos não há lugares para a tristeza, nem para a morte dos desejos que sufocam as incapacidades de se libertarem os prazeres que são as receitas prescritas destes sonhos que viajam, sem composturas e sem elegâncias de verbalismos, gastos pelas inconfidencialidades das confidências sem sonhos. Se me virem passar por aí, sorrindo e brincando como uma criança, não se surpreendam, é, apenas, um pássaro que voa, sonhando os sonhos que aprendeu comigo, nos mistérios e nos segredos da embriaguez solar que a todos nós consolará. São sonhos que eu sonho por não ser real. Sou, simplesmente, um sonho que anda por aí.

Assinado por Renato Cresppo

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Poema Inútil

Cuidar do poema que adoece
É estrangular a prescrição do medo,
É arejar a docilidade do tempo
E libertar o fôlego saudável do seu tempero.
O poema estremece de prazer,
É amor que floresce
Por entre os lábios lamacentos do seu nevoeiro invisível,
Socorrendo a decrepitude natural
Do luto que o encobre,
Mal o vaticínio do desprezo
Vacina a pena criativa
Com o rubor feminino que o enlaça em sorrisos
Para que o seu espaço vital
Seja o enredo estimável da obra plena.
O poema é esta faca afiada
Que me rasga a sensibilidade,
É sangue que rompe o silêncio,
É lava que cega à noite,
É esta garganta de cicuta
Que amputa os delírios da raiva
Para que o parto da escrita
Seja o débil ódio da fome
A escravizar a agonia da sua pose fotogênica.
Fotograma a fotograma,
A objetiva oculta
Seduz o vigor da vivacidade,
Divaga por entre lampejos de fogo,
Revela os quadros mortíferos da sua tempestade final.
O poema vence a inutilidade de ser inútil.

Assinado por Renato Cresppo

Pingos de Chuva

Deslizam pingos de chuva didática
Pelo rosto velho das mortes diárias.
Secam ao sol nas vielas milenárias
E são filhos da mentira simpática.

Soam trombetas da traça profilática
Nos arneiros mentais das ruas agrárias
Onde só se plantam favelas viárias
Graças ao discurso da praga asmática.

Ouvem-se as gargalhadas das plateias
Nos vastos auditórios dos escolhos
Que encalham na febre dos repolhos.

Nota-se o aprumo das velhas teias
Que adoram as crises das suas ameias
E amam as orgias fanáticas dos piolhos.

Assinado por Renato Cresppo